Se você desenvolve sites, APIs ou aplicações SaaS, mais cedo ou mais tarde esbarra na mesma pergunta: onde hospedar isso tudo de forma escalável e sem virar refém do servidor? Hoje, as três grandes opções globais são AWS, Azure e Google Cloud. Todas prometem alta disponibilidade, segurança e escalabilidade. Mas, na prática, qual escolher para o seu próximo projeto web?
Neste artigo vamos sair do discurso genérico e entrar no que realmente importa para quem desenvolve e empreende online: preço, curva de aprendizado, ecossistema, suporte, integrações e, principalmente, cenários reais de uso. A ideia é que, ao final da leitura, você tenha um critério claro para decidir entre AWS, Azure e Google Cloud para o seu projeto específico.
Por que pensar em computação em nuvem desde o início do projeto
Antes de comparar provedores, vale entender por que escolher bem a nuvem desde o começo evita dor de cabeça mais pra frente.
Quando você começa um projeto em um VPS baratinho ou num hosting compartilhado, tudo parece ótimo. Mas, à medida que o tráfego cresce, surgem problemas bem conhecidos:
- Site ficando lento em horário de pico
- Limite de conexões no banco de dados estourando
- Deploy travado porque um servidor só faz tudo (app, banco, arquivos)
- Dificuldade para fazer rollback rápido se uma nova versão dá problema
A computação em nuvem entra justamente para resolver (ou pelo menos minimizar) isso, oferecendo:
- Escalabilidade horizontal (mais instâncias quando o tráfego sobe)
- Serviços gerenciados (banco de dados, filas, cache, storage…)
- Automação de deploy, backups e monitoramento
- Modelo de cobrança por uso
O ponto é: a nuvem não é só “onde hospedar”, mas sim como estruturar seu projeto desde o início para crescer sem refatorar tudo depois.
Visão rápida: o perfil de cada provedor
Vamos começar com um resumo sem firula do posicionamento de cada uma para projetos web e apps escaláveis.
AWS: o padrão de mercado para desenvolvedores
A AWS ainda é a referência global em computação em nuvem, principalmente entre times de desenvolvimento.
Pontos fortes:
- Maior variedade de serviços (quase tudo que você imaginar já existe lá)
- Ecossistema gigante: documentação, tutoriais, cursos, exemplos, integrações
- Ferramentas maduras para microsserviços, filas, mensageria, serverless, etc.
- Suporte muito forte a arquiteturas modernas (containers, Lambda, Event-driven)
Pontos fracos (principalmente para quem está começando):
- Painel complexo, cheio de serviços e termos novos
- Curva de aprendizado mais íngreme
- Fácil se perder em configurações e pagar mais do que precisava
No meu caso, em projetos que exigiam escalabilidade bem agressiva (como APIs de alto tráfego e sites com picos de acessos em lançamentos), a AWS foi a solução mais robusta. Mas exige disciplina em monitorar custo e organizar recursos.
Azure: forte integração com mundo corporativo e Microsoft
O Azure brilha especialmente quando o ambiente já é Microsoft (Windows Server, .NET, Active Directory, Office, etc.).
Pontos fortes:
- Integração nativa com stack Microsoft (.NET, SQL Server, AD, Office 365)
- Painel relativamente amigável para quem já trabalha com produtos Microsoft
- Muito usado em ambientes corporativos tradicionais (empresas grandes)
Pontos fracos:
- Menos conteúdo independente (blogs, vídeos, tutoriais de dev) comparado à AWS
- Pode ser “overkill” para um projeto simples que não usa stack Microsoft
Quando o cliente já tem toda a infraestrutura em Microsoft, logins integrados e equipe com experiência em Azure, a conta fecha rápido. Para um dev solo com stack majoritariamente open-source, geralmente dá para simplificar indo de AWS ou Google Cloud.
Google Cloud: simples, forte em dados e muito amigo de desenvolvedores web
O Google Cloud ganhou força entre devs web e startups por alguns motivos bem práticos.
Pontos fortes:
- Painel mais limpo e curva de aprendizado geralmente menor que a AWS
- Serviços muito bons para dados (BigQuery, Dataflow) e analytics
- Integração natural com Firebase, YouTube, Google Analytics, etc.
- Créditos generosos para novos usuários e startups em alguns programas
Pontos fracos:
- Menos variedade de serviços que a AWS (mas o essencial está lá)
- Comunidade menor que a da AWS em alguns nichos
Na prática, para aplicações web modernas, APIs REST/GraphQL, apps mobile com backend simples a moderado, o Google Cloud é muitas vezes a opção mais objetiva para tirar do papel rápido.
Critérios práticos para escolher: o que pesa de verdade
Agora vamos para o que realmente muda a vida no dia a dia. Quando estou decidindo onde subir um projeto, olho principalmente para estes critérios:
1. Stack tecnológica que você (e seu time) já domina
Isso é mais importante do que parece. Duas perguntas-chave:
- Você desenvolve mais em .NET / C# ou em Node, PHP, Python, Go, etc.?
- A empresa/cliente já usa Microsoft em tudo ou é mais open-source?
Regra prática:
- Stack Microsoft pesada (Active Directory, Office 365, .NET, Windows Server): forte candidato → Azure.
- Stack mista ou open-source (Node, PHP, Python, containers): geralmente → AWS ou Google Cloud.
2. Tempo até ir para produção
Se você precisa colocar algo no ar rápido (landing page com backend, MVP de SaaS, API simples), a quantidade de decisões que você precisa tomar importa muito.
Em vários projetos menores que lancei com prazo apertado, a combinação Google Cloud + Cloud Run ou AWS + Elastic Beanstalk resolveu 80% da arquitetura sem eu ter que configurar VPC, subnet, autoscaling manualmente, etc.
Regra prática:
- Se o foco é lançar rápido e iterar depois → escolha a plataforma em que você se sente mais produtivo agora.
3. Modelo de cobrança e previsibilidade de custo
Todo mundo fala de “pagar só pelo que usa”. O problema é quando você não sabe medir o quanto vai usar. Então, em vez de olhar preço por GB ou por request isoladamente, pense assim:
- Qual é o volume esperado de acessos nos primeiros 3 meses?
- Vai ter pico previsível (lançamentos, campanhas) ou tráfego mais estável?
- O projeto precisa ficar 24/7 disponível, ou pode “hibernar” quando não tem uso?
Por exemplo, no Google Cloud e na AWS, serviços serverless (Cloud Run, Lambda, Functions) podem ficar quase de graça em projetos que recebem pouco tráfego e só escalam quando necessário.
Já se você tem tráfego constante e alto, às vezes uma instância “fixa” bem configurada sai mais barata do que mil funções serverless sendo chamadas o tempo todo.
4. Serviços gerenciados que você vai realmente usar
Não escolha provedor por serviços que “talvez um dia” você use. Foque no core do seu projeto.
- Você vai usar muito banco relacional? (MySQL, PostgreSQL, SQL Server)
- Vai ter muita mídia estática (imagens, vídeos, PDFs)?
- Vai precisar de fila para processar tarefas assíncronas (e-mails, notificações, jobs)?
- Precisa de CDN global para reduzir latência?
Os três provedores oferecem tudo isso. Então a questão vira:
- Qual painel você acha mais tranquilo para configurar backup, replicação e permissões?
- Qual tem documentação e exemplos mais claros para o framework que você usa (Laravel, NestJS, Django, etc.)?
5. Ecossistema, comunidade e suporte
Quando algo quebra às 23h de uma sexta-feira, tutoriais e tópicos no Stack Overflow valem ouro.
- AWS → maior volume de conteúdo, exemplos, snippets, integração com praticamente tudo
- Google Cloud → documentação clara e forte foco em dev web, Firebase, mobile
- Azure → muito material ligado a .NET, ambientes corporativos e Windows
Minha recomendação: pesquise no Google algo como “seu framework + provedor + serviço” (ex.: “Laravel deploy AWS Elastic Beanstalk”, “Node.js Cloud Run Google Cloud”). Veja com qual combinação você encontra mais conteúdo direto ao ponto.
Cenários reais: qual nuvem faz mais sentido em cada caso
Agora vamos colocar isso em projetos típicos que vejo no dia a dia.
Cenário 1: Landing pages e sites institucionais com formulário e painel simples
Objetivo: rápido de lançar, fácil de manter, custo baixo.
- Google Cloud: Cloud Run ou App Engine para o backend + Cloud Storage para arquivos estáticos. Fácil de integrar com reCAPTCHA, Analytics, etc.
- AWS: Amplify para front-end estático + Lambda/API Gateway para backend simples. Bom se você já está no ecossistema da AWS.
- Azure: App Service para hospedar a aplicação + Azure SQL ou MySQL gerenciado.
Se você está sozinho ou em time pequeno, costumo indicar Google Cloud ou AWS, dependendo de com qual você já tem mais familiaridade.
Cenário 2: API para aplicação mobile com picos de tráfego
Objetivo: escalar bem em horários de pico, manter latência baixa e ter ambiente seguro.
- AWS: combinação clássica com ECS/EKS (containers) ou Lambda + API Gateway, banco em RDS e cache em ElastiCache. Altamente escalável, mas exige mais mão na massa.
- Google Cloud: Cloud Run (ou GKE) para containers, Cloud SQL para banco, Cloud Memorystore para cache. Painel mais simples para configurar autoscaling.
- Azure: Azure Kubernetes Service (AKS) ou App Service + banco gerenciado. Interessante se o time já domina Azure DevOps.
Para APIs de alto tráfego que acompanhei, acabei usando mais AWS e Google Cloud, principalmente pelo equilíbrio entre flexibilidade e custo.
Cenário 3: Sistema interno de empresa já cliente Microsoft
Objetivo: integração com Active Directory, Single Sign-On, Office 365, etc.
- Azure quase sempre leva vantagem aqui. Azure AD, integrações com Office e todo o ecossistema Microsoft já vem meio “pronto”.
Em clientes corporativos, forçar AWS ou Google Cloud quando o resto da empresa é 100% Microsoft geralmente gera mais atrito do que ganho.
Cenário 4: Produto SaaS com foco em dados, relatórios e BI
Objetivo: processar volume de dados crescente, gerar relatórios rápidos e integrar com ferramentas de BI.
- Google Cloud: BigQuery é um dos grandes diferenciais para analytics e BI. Integra bem com Data Studio (Looker Studio), Sheets, etc.
- AWS: Redshift, Athena, QuickSight formam um stack forte, mas a curva de aprendizado pode ser maior.
- Azure: muito forte se a empresa já usa Power BI, com Azure Synapse e outros serviços integrados.
Se o foco é análise de dados e você não está preso a stack Microsoft, Google Cloud costuma oferecer um caminho mais direto.
Como testar na prática sem se enrolar (plano de 7 dias)
Em vez de tentar “decidir na teoria”, recomendo um teste rápido, mas estruturado, com prazo curto.
Plano sugerido:
- Dia 1: criar conta nos três provedores (se ainda não tiver) e entender os créditos gratuitos.
- Dia 2: escolher um projeto pequeno real (ex.: uma API simples ou um mini painel administrativo).
- Dia 3: subir esse projeto na AWS usando um serviço de nível mais alto (Elastic Beanstalk, Amplify ou similar).
- Dia 4: subir o mesmo projeto no Google Cloud (Cloud Run, App Engine).
- Dia 5: subir o mesmo projeto no Azure (App Service).
- Dia 6: comparar experiência de deploy, logs, monitoramento, facilidade de configurar banco e variáveis de ambiente.
- Dia 7: analisar custo estimado para o tráfego que você espera e escolher em qual se sentiu mais produtivo.
Esse tipo de teste vale muito mais do que uma comparação teórica de páginas de pricing e fichas técnicas.
Checklist rápida para decidir entre AWS, Azure e Google Cloud
Use essa lista como filtro final. Responda de forma honesta, pensando no seu projeto atual.
- Seu projeto depende fortemente de .NET, Windows Server, SQL Server e integrações com produtos Microsoft?
- O cliente já usa Azure, Office 365 e Active Directory?
- Seu time tem mais experiência em ambiente Microsoft do que em AWS/Google Cloud?
Se a maioria das respostas for “sim”, Azure provavelmente é a melhor escolha.
- Você (ou o time) já usa vários serviços da AWS em outros projetos?
- Precisa de uma enorme variedade de serviços e quer a maior flexibilidade possível?
- O projeto tende a crescer muito em complexidade (muitos microsserviços, filas, integrações)?
Se a maioria das respostas for “sim”, AWS tende a ser o melhor caminho.
- Você quer algo mais simples de começar, com painel mais limpo?
- Vai trabalhar bastante com dados, analytics, BigQuery, integrações com YouTube, Firebase, etc.?
- Seu foco é produtividade de desenvolvimento e tempo até ir para produção?
Se a maioria das respostas for “sim”, Google Cloud é um candidato muito forte.
Próximos passos recomendados
Para transformar esse artigo em ação concreta, sugiro o seguinte plano:
- 1. Escolha o seu cenário: identifique em qual dos cenários acima seu projeto encaixa melhor (landing page, API, SaaS de dados, sistema corporativo, etc.).
- 2. Defina seu critério principal: tempo para lançar, custo, integração com Microsoft, dados/BI, etc. Escreva isso em uma frase para não se perder.
- 3. Faça um teste pequeno: suba uma versão mínima do seu projeto em pelo menos dois provedores, usando créditos gratuitos.
- 4. Meça produtividade: marque quanto tempo leva entre “clonar o repositório” e “aplicação acessível em produção” em cada provedor.
- 5. Observe custos: olhe o painel de billing depois de alguns dias de teste e veja quem oferece mais resultado pelo mesmo valor.
- 6. Padronize: depois de escolher o provedor que faz mais sentido, documente seu fluxo de deploy e monitoramento, para que próximos projetos ganhem velocidade.
No fim das contas, mais importante do que ter a “nuvem perfeita” é ter uma nuvem que você domina o suficiente para lançar, escalar e manter seus projetos vivos sem virar refém da infraestrutura. Se você tratar a escolha como uma decisão estratégica guiada por testes pequenos e rápidos, em pouco tempo vai ter seu próprio “playbook” de AWS, Azure e Google Cloud baseado na sua realidade – e não só na opinião dos outros.